terça-feira, 30 de novembro de 2010

"CRÓNICA DECORATIVA"

Faz hoje 75 anos que morreu Fernando António Nogueira Pessoa. Fernando Pessoa é sem dúvida um nome à parte na literatura portuguesa, sendo até  talvez o único poeta a desafiar Camões (sim, porque Herberto Helder, que fez recentemente 80 anos, é para uma conversa, que hoje não tem aqui lugar). Fernando Pessoa, nasceu em 1888 e faleceu em 1935, em Lisboa, com 47 anos. Para não ser demasiado repetitivo, uma imagem e um texto, pouco usuais.
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A ROSA DE SEDA 

(Fábula) 

Num fabulário ainda por encontrar será um dia lida esta fábula: 
A uma bordadora dum país longínquo foi encomendado pela sua rainha que bordasse, sobre seda ou cetim, entre folhas, uma rosa branca. A bordadora, como era muito jovem, foi procurar por toda a parte aquela rosa branca perfeitíssima em cuja semelhança bordasse a sua. Mas sucedia que umas rosas eram menos belas do que lhe convinha, e que outras não eram brancas como deviam ser. Gastou dias sobre dias, chorosas horas, buscando a rosa que imitasse com seda, e, como nos países longínquos nunca deixa de haver pena de morte, ela sabia bem que, pelas leis dos contos como este, não podiam deixar de a matar se ela não bordasse a rosa branca. 
Por fim, não tendo melhor remédio, bordou de memória a rosa que lhe haviam exigido. Depois de a bordar foi compará-la com as rosas brancas que existem realmente nas roseiras. Sucedeu que todas as rosas brancas se pareciam exactamente com a rosa que ela bordara, que cada uma delas era exactamente aquela. 
Ela levou o trabalho ao palácio e é de supor que casasse com o príncipe. 
No fabulário, onde vem, esta fábula não traz moralidade. Mesmo porque, na idade de ouro, as fábulas não tinham moralidade nenhuma. 
......................................................Fernando Pessoa
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http://www.astormentas.com/din/biografia.asp?autor=Fernando+Pessoa
http://www.astormentas.com/din/poemas.asp?autor=Fernando+Pessoa

domingo, 21 de novembro de 2010

DIACRÍTICO

Ainda em Dezembro de 2010, o meu novo livro, intitulado DIACRÍTICO, com prefácio de Albano Martins e editado pela editora Labirinto, sairá do fundo da caverna, para ver os primeiros raios de luz. Dentro de alguns dias voltarei ao assunto. Em baixo, um dos textos do livro.
William Blake
III
.a lâmina arfou sobre a dicção do epinício no flanco disponível da fêmea ungida em sua extremidade viva. alumbrado o sangue esguicha nas mãos acesas. nos esteios nocturnos do estio. e não rastejas ainda no pó sedutor da terra redimida nas esporas do ocidente. a carne sem vida e misericórdia excita-se dobrando o verbo contra o barro. um feixe de ardósias negras alucinando o seu próprio nascimento. agora sabe apenas à coalescência dos líquidos. e há uma flor demasiado hirta. e mulheres alimentando-se em varas espavoridas. e pávidos risos aterrorizantes de animais com cio. e o céu brilha sumptuoso em cabeças de víboras admiravelmente impuras e sublimes. é a sólida candura das onomatopeias em repouso. a carne tornando-se corpo.
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sábado, 13 de novembro de 2010

LIVRO???

A verdade é que por muitas e variadas explicações (http://linguistica.publico.clix.pt/Cultura/gabriela-canavilhas-garante-que-divulgacao-do-livro-vai-continuar_1465732) e boas intenções que a Sra. Ministra da Cultura possa vir dar, como neste país, e principalmente na área do livro e da cultura, o caso ainda se agrava mais, hoje só importa afirmar que "Gato escaldado de água fria tem medo"! Por isso, Sra. Ministra Dr.ª Gabriela Canavilhas, nem com um fundo musical de um belo piano, a preocupação manifestada (embora não interesse para nada, ou a ninguém, que eu subscrevo totalmente) pelos escritores abaixo referenciados, se esbaterá! 
«Assunto: Extinção da Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas (*)


Ex.ma Senhora Ministra da Cultura

Dr.ª Gabriela Canavilhas



O livro representa, hoje em dia, um espaço de transformação acelerada a que nenhum de nós pode ficar indiferente. Sobre o livro repousa uma herança segura e ergue-se um futuro de novos contornos ainda indefinidos. Certo, porém, é que todos queremos que, através dele, sejam resguardados os valores fundamentais do Humanismo e da Cultura. Por isso os estados desenvolvidos, designadamente os europeus, não abdicam de preservar as instituições que os salvaguardam.

Entre nós, conhecidos por estarmos no fundo das estatísticas no que a estes campos diz respeito, vimos, para felicidade de todos, ao longo das últimas décadas, a situação alterar-se. A implicação activa do Estado Democrático foi determinante nessa mudança da qualificação dos cidadãos. No que diz respeito à leitura, o Instituto Português do Livro foi a cabeça promotora dessa alteração. Além disso, desde que foi criado, em 1980, e através duma história rica em acontecimentos, é inegável que a promoção da Literatura portuguesa e lusófona, tanto em Portugal como no estrangeiro, se deveu muito ao esforço de encontrar e estimular parceiros para a edição e difusão dos nossos autores. A sua eficácia tem sido amplamente reconhecida. Apesar dos magros recursos, o IPL foi até há pouco considerado uma instituição modelar perante as suas congéneres. No entanto, nos últimos tempos, ficou bem claro o desinvestimento a que foi sujeito, designadamente com a passagem de Instituto a Direcção Geral.

Mesmo assim, isso não impediu que essa imagem institucional, para as entidades e personalidades estrangeiras que procuram apoio e conselho para iniciativas ligadas ao livro se mantivesse. Nem a redução drástica de meios foi obstáculo a que a experiência e o empenhamento dos funcionários do Instituto e, depois, da Direcção Geral, sempre tivessem respondido às várias solicitações, a que se deve acrescentar o excelente trabalho da rede de Bibliotecas Públicas nascida da iniciativa do IPL.

É por isso com estupefacção que os abaixo-assinados tomaram conhecimento daquilo que, na prática, é a extinção do único organismo que representava o empenhamento do Estado Português, através do Ministério da Cultura, numa das áreas que melhor tem representado o nosso país na sua transformação democrática: a difusão da sua literatura. Se isto não significa, como é óbvio, o fim da criação literária, nem o fim dos hábitos de leitura, nem o fim do livro, esta fusão vem dar no entanto uma imagem cada vez mais pobre de um mundo político que confunde gestão de meios com o extermínio cego das instituições que funcionam.

A reintegração da gestão dos assuntos do livro e da leitura na Biblioteca Nacional de onde em devido tempo foi autonomizada, significa a desvalorização, secundarização e desprezo por todo um sector que está em mudança, que carece de elos de coordenação, confrontação com as práticas globais, protecção das obras literárias portuguesas e lusófonas, articulação com os agentes nacionais e estrangeiros que as difundem. A dispersão das pessoas que conhecem o assunto, a desintegração dos saberes acumulados, a redução drástica de meios, significarão um retrocesso real e efectivo e nós não nos conformamos com esta perda.

Creia, Senhora Ministra, que o protesto que fazemos é um sinal de indignação, mas também de desalento perante o rumo que está a ser dado a este sector da Cultura no nosso País, e que nenhuma crise económica, que aceitamos ser grave e obrigar a sacrifícios, justifica.
Pedimos-lhe que reconsidere.
Lisboa, 10 de Novembro, 2010
Ana Luísa Amaral
Almeida Faria
António Lobo Antunes
Gastão Cruz
Gonçalo M. Tavares
Hélder Macedo
Hélia Correia
Inês Pedrosa
Lídia Jorge
Maria Velho da Costa
Mário de Carvalho
Mário Cláudio
Nuno Júdice
Pedro Tamen
Vasco Graça Moura
© Bibliotecário de Babel (*)
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